
Coletivo Negro Vozes e professores sensíveis ao tema propõem e UFABC cria duas novas disciplinas no curso de licenciatura em matemática: Estudos Étnico-Raciais e Afro-Matemática como Transformadora Social, esta última formalizada com o nome de Seminários em Modalidades Diversas em Matemática.
Por Douglas Belchior
O que você sabe sobre a contribuição de negras e negros nas áreas de matemática, física ou química? Essa pergunta acompanha os afro-brasileiros nos espaços acadêmicos, sobretudo aqueles que se dedicam ao campo das ciências exatas. E quase não temos respostas.
Justamente por conta desse vazio de explicações, da sub-representação de negras/os, tanto entre estudantes quanto entre professores e da ausência de referências africanas e afrodescendentes nos cursos relacionados e, mais especificamente, na licenciatura em matemática, o Coletivo Negro Vozes, da Universidade Federal do ABC, decidiu se dedicar a projetos de pesquisa com estas preocupações, dando origem assim ao projeto MatemÁfrica. A plataforma é um espaço de publicação de projetos e pesquisas sobre as possibilidades e desafios que envolvem o ensino e aprendizagem da Afro-Matemática apoiados por processos colaborativos de autoria digital, tomando como referência as orientações e perspectivas da lei 10.639/03 e 11.645/08.
Quando a lei afirma que a prática deve ser adota em TODO o currículo, isso inclui as disciplinas de ciências exatas e biológicas e não somente as humanidades. Também nesse campo é necessário descolonizar o ensino e os referenciais teóricos na formação de professores
Jorge Costa, criador da plataforma MatemÁfrica
Jorge Costa, formado em Ciências e Tecnologia, prestes a se formar em Engenharia de Materiais com licenciatura em Matemática, coordenador do Cursinho Popular Carolina de Jesus, no Capão Redondo, zona sul de São Paulo, é um dos criadores da iniciativa e diz que o projeto “é uma resposta que nós trouxemos, primeiro para nós mesmos, depois para a coletividade, sobre a importância de promover o ensino de matemática partindo de outros referenciais.”
As provocações do Coletivo Negro Vozes ganharam corpo. Na medida em que formulavam cobranças junto aos professores e coordenação do curso, sobretudo sobre a aplicação das leis 10.639/03 e 11/645/08, que legislam sobre obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena em todo o curriculum escolar, as pesquisas ganharam consistência e se tornaram propostas concretas de mudança no currículo do curso de licenciatura em matemática.
Referências como o filme ‘Estrela Além do Tempo’, demonstram o quanto negras e negros são produtoras de conhecimento científico e que devem ser introduzidos em nossas escolas, com a finalidade de se quebrar estereótipos e demonstrar o talento e a genialidade de nosso povo também nas áreas consideradas ciências duras como matemática, física e química
Jorge Costa, criador da plataforma MatemÁfrica
“Quando a lei afirma que a prática deve ser adota em TODO o currículo, isso inclui as disciplinas de ciências exatas e biológicas e não somente as humanidades. Também nesse campo é necessário descolonizar o ensino e os referenciais teóricos na formação de professores, para que estes não reproduzam o racismo dentro da sala de aula e consigam, no processo de ensino e aprendizagem, demostrar o quanto negras e negros sempre foram produtoras de conhecimento científico em toda a história da humanidade”, afirma Jorge Costa.
Jorge continua: “Exemplos como o dos Fractais Africanos, Sona, Mancala, jogos e técnicas de lógica, raciocínio e equações geométricas e matemáticas de origem africana, devem ser utilizados dentro da sala de aula para desenvolver o raciocínio lógico e, principalmente aos estudantes que possuem dificuldades em progressão aritmética (PA), progressão geométrica(PG) e geometria de modo geral”.

O resultado das provocações e da atuação politica dos estudantes e de professores sensíveis ao tema, foi a criação de duas novas disciplinas no Curso de Licenciatura em Matemática na UFABC, sendo elas: Estudos Étnicos-raciais e Afro-matemática como Transformadora Social, esta última formalizada com outro nome, conforme processo relatado abaixo.
A proposta defendida pelo Coletivo Negro Vozes se deu num momento propício, uma vez que o curso teria que passar por mudanças, que por orientação de resolução do MEC, aumentaria a carga horária. Contudo, o núcleo responsável pela reestruturação e desenvolvimento do projeto pedagógico da licenciatura em matemática não havia, até então, percebido a importância de acrescentar ao currículo o debate racial através de disciplinas de aprofundamento das questões, nem tampouco a percepção sobre a importância de metodologias voltadas para o aprendizado de jovens negros e negras.
“A disciplina de matemática é uma das responsáveis pela exclusão de negros e negras das escolas, e consequentemente dos cursos superiores nas áreas tecnológicas. Referências como o filme ‘Estrela Além do Tempo’, demonstram o quanto negras e negros são produtoras de conhecimento científico e que devem ser introduzidos em nossas escolas, com a finalidade de se quebrar estereótipos e demonstrar o talento e a genialidade de nosso povo também nas áreas consideradas ciências duras como matemática, física e química”, explica Jorge.
O debate interno
Depois de formalizada a proposta de inserção de novas disciplinas no currículo do curso de matemática e de prévia análise, representantes do Núcleo Estruturante da Licenciatura em Matemática afirmaram não ser possível a inclusão das ementas, pois não haviam professores aptos a trabalhar as referidas temáticas. A contratação de novos professores também foi descartada.
A contra proposta apresentada foi resgatar disciplinas já existentes na UFABC e após alguns debates entre coordenação e o coletivo de estudantes, chegou-se ao consenso de se implementar a disciplina de Estudos Étnico-raciais e da criação de uma outra disciplina.
A proposta defendida pelos estudantes para esta segunda disciplina foi a de “Afro-matemática como transformadora social”. Mas a elaboração conceitual não agradou os responsáveis pela reforma, que a reapresentaram na forma de disciplina de seminários com o nome de “Seminários em Modalidades Diversas em Matemática”. A ementa e a bibliografia proposta pelos estudantes foi mantida, o que significou uma grande vitória.
Após debates sobre forma e conteúdo nas diversas esferas de deliberação da Universidade, no Conselho de Centro – CMCC (Centro de Matemática, Computação e Cognição) e, por fim, após análise do CONSEPE, último órgão deliberativo para projetos pedagógicos, as alterações foram aprovadas por unanimidade em 26 de setembro de 2017, dia histórico para o movimento negro auto organizado na UFABC para todas e todos que professam e defendem uma educação descolonizada.
“Este talvez seja o primeiro ou um dos primeiros cursos de licenciatura em matemática que se propõe a discutir o racismo de modo estruturante como uma obrigatoriedade da instituição. Trazer esse debate no campo das ciências exatas, principalmente nos cursos de licenciaturas que trabalham com a “formação” de novos professores e professoras é necessário e urgente. Conseguimos um passo importante, mas é somente o começo. Temos muito a caminhar”, finaliza Jorge.
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